Distante das tradicionais análises históricas que reduzem a imigração a um fenômeno meramente econômico, estudos recentes têm procurado lançar novas luzes sobre a condição daqueles que vivem em terras estrangeiras. Doutora em Antropologia pela Universidade da Califórnia, a pesquisadora Bernadete Beserra é autoridade quando o assunto é a imigração de brasileiros para o exterior. Autora do livro "Brazilian Immigrants in the United States: Cultural Imperialism and Social Class nos Estados Unidos" (lançado lá fora em 2003 e que ganha edição nacional como "Brasileiros nos Estados Unidos: Hollywood e outros sonhos"), a professora da Faculdade de Educação da UFC fala ao Caderno 3 sobre os anseios e dramas de brasileiros que buscam construir uma nova vida em outros países. - Dellano Rios
- A migração do cearense já virou até motivo de piada ("encontra-se gente do Ceará em todos os lugares). O que leva esses cearenses a se fixarem em outros países? A questão financeira ainda é o fator principal?As pessoas migram por muitos motivos. No caso do sertão nordestino, em alguns momentos da história, a emigração se apresenta como uma questão de vida ou morte. Rodolfo Teófilo narra esta situação de obrigatoriedade da emigração no romance "A Fome", inspirado pela grande seca de 1877. Mas a emigração para outros países geralmente conjuga outros motivos. Inicialmente era uma migração de ricos, apenas, para estudar, iam se civilizar nos centros coloniais. Ou artistas para a conquista do "sul maravilha" ou Hollywood, etc. Nos últimos 20 anos, outras classes sociais também tem participado desses fluxos migratórios para o exterior. É mais fácil sobreviver como "classe média" trabalhando como babá em Nova Iorque ou Los Angeles, do que sendo professora em Fortaleza. Então, as pessoas arriscam. Além disto, no caso específico dos Estados Unidos, são quase 60 anos de domínio ideológico e cultural sobre quase todo o planeta... As pessoas aprendem desde cedo a sonhar em viver/conhecer tudo que Hollywood propagandeia nas suas telas... principalmente a parte boa, a do consumo sem limites.
- E o que pesa negativamente na hora de escolher um destino? A língua é o principal fator?
Embora a língua seja muito importante, não creio que, em geral, tenha um grande peso na decisão. Conheci muitos brasileiros nos Estados Unidos que mal sabiam dizer "thank you". Os sonhos que o indivíduo construiu sobre o destino são mais importantes... Geralmente sonhos baseados em economias dinâmicas que, hipoteticamente, os levariam à riqueza.
- O Brasil é um país que tem uma presença forte do elemento imigrante em sua formação. Não raras as vezes, os descendentes das gerações mais novas de imigrantes que chegaram por aqui, fazem o caminho inverso e vão aos lugares de onde vieram seus pais. O que explica esse "contrafluxo"?
Quem assistiu "Gaijin: Caminhos da Liberdade" (filme dirigido por Tizuka Yamasaki) sabe por que os descendentes de imigrantes sonham em voltar. Os imigrantes de primeira geração mantêm para sempre a sua terra de origem como referência. A terra que os "expulsou" se torna, às vezes, a própria "terra prometida". E eles acabam passando essa idéia para seus filhos. Há ainda uma certa curiosidade que todos temos de conhecer os mundos dos nossos ancestrais. É como se estivéssemos conhecendo um pouco mais sobre nós mesmos. Mas tal curiosidade é sempre mais forte quando o lugar dos ascendentes é também economicamente dinâmico. Não creio que as pessoas se sintam igualmente motivadas a buscar suas origens negras ou indígenas. A não ser agora, mais recentemente, com a ação afirmativa...
- Em países alguns países estrangeiros, os brasileiros optam por viver em colônias. Outros preferem se inserir nas comunidades nativas. O que determina esse comportamento?
Não sei se é simplesmente uma preferência. A integração na sociedade "anfitriã" depende de vários fatores, eu explico isto no meu livro "Brasileiros nos Estados Unidos: Hollywood e outros sonhos", que estará sendo lançado no próximo mês. O país de origem, a classe social, a cor/raça do imigrante são fatores que interferem decisivamente na integração. A profissão também. Por exemplo, ser artista ou intelectual (acadêmico) amplia um pouco as possibilidades, mas no caso do serviço doméstico a integração é bem mais limitada. Voltando à questão da preferência e das colônias, elas facilitam a sobrevivência em função da língua e dos costumes, mas é também conseqüência da não aceitação dos nativos que os imigrantes se integrem como um deles.
- Lá fora, como os brasileiros confrontam o problema do racismo?
De forma semelhante à forma que confrontamos aqui mesmo. Nos Estados Unidos, que foi onde realizei minha pesquisa, não se enuncia tão claramente como aqui a raça ou etnia do outro: "japa", "negão", "índio", "paraíba", "baiano", etc. Parece que não se percebe estas diferenças, mas se percebe tanto que torna-se complicado sobreviver fora dos lugares próprios dos "latinos", "blacks" (negros) ou "brancos". Em todos os espaços, isto se reproduz: na universidade, nas artes e na distribuição de empregos. Quando morei em Los Angeles, me associei ao programa de ópera para os latinos, cujo presidente, na época, era o Placido Domingos.
- Quando falamos em imigração ilegal de brasileiros, normalmente, pensa-se no caso dos EUA. Há outros países onde as imigrantes de nosso país tentam penetra de forma semelhante? Em caso de resposta afirmativas, como é se dá a reação dessas nações e como é a vida dos brasileiros em seu solo?
Não conheço em profundidade a situação dos brasileiros em outros países, além dos Estados Unidos. Mas vimos, através do caso do brasileiro assassinado pela policia, em Londres, que não é fácil ser ilegal em lugar nenhum. Aqui no Brasil, por exemplo, temos o problema dos bolivianos em São Paulo, vivendo uma semi-escravidão, explorados pela indústria têxtil dominada pelos coreanos. Alguns estudiosos comparam a ilegalidade nos tempos de hoje com a escravidão. Eu acho que é uma situação até mais complicada, mas precisaria de mais espaço para aprofundar tal questão.
- A antropologia fala, positivamente, da sensação de estranhamento que se vivência, em sua própria comunidade, após o contato com outra realidade social. Para os migrantes comuns, quais as conseqüências desse estranhamento quando ele é reintroduzido na comunidade de onde saiu?
O imigrante que retorna, o viajante, vê o que nenhum nativo consegue ver: o mundo sob muitas perspectivas. É bom e é ruim. Aprendemos, por exemplo, que nenhum lugar é perfeito. Não nos contentamos mais tão facilmente. Passamos a viver meio no limbo. Mas é bom porque podemos também nos tornar mais tolerantes, mais compreensivos.
domingo, 20 de julho de 2008
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